sábado, 19 de janeiro de 2013

O Governo fiscaliza e avalia a saúde privada, mas quem fiscaliza e avalia a saúde pública?


reprodução -web
Após acompanhar durante semanas o noticiário sobre o caso de Adrielly que morreu depois de ser atingida por uma bala na noite do último Natal e ficou oito horas em atendimento dentro de um hospital municipal do Rio de Janeiro, decidi tentar entender um pouco mais a questão do ponto de vista da organização dos serviços de saúde e atendimento à população.

Nas minhas buscas encontrei o livro Para entender a saúde no Brasil 2, organizado por Maria Cristina Sanches Amorim e Eduardo Bueno da Fonseca Perillo, editado pela LCTE Editora em 2008, uma coletânea de artigos muito importantes para entender a saúde no Brasil de vários pontos de vista. Segundo os autores, de fato, não há uma crise na saúde, mas conflitos de interesses e vários fatores que precisam ser melhor examinados e equacionados para haver um salto de qualidade.

Não poderei descrever todos os temas tratados nessa coletânea, nem me proponho no espaço deste blog “destrinchar” esta questão. Trago, entretanto, para meus leitores, uma pequena entrevista com Marcelo Cyrino, cujo artigo muito me impressionou porque termina com a pergunta que não sai da cabeça desde que decidi me enfronhar nesse triste caso da menina Adrielly. Quem fiscaliza e avalia a saúde pública no Brasil? Se na educação avançamos muito no sentido de avaliar as escolas, dar notas, ranquear as instituições, nada sabemos sobre o universo da saúde. Tento, com essa entrevista, puxar o fio da meada. Marcelo Cyrino, autor do ensaio “Os bancos e o setor de saúde” do livro citado, é ex-diretor de Nichos de Mercado dos Bancos BCN, Bradesco e Safra, sócio da M Cyrino Consultoria, empresa especializada em gestão administrativa e financeira de firmas ligadas aos setores de saúde e educação.

Yvonne – Marcelo, a partir de sua experiência de muitos anos de atuação em bancos na área de financiamento do setor privado e público do sistema de saúde, poderia explicar como o Governo fiscaliza e avalia a saúde no setor privado?

Marcelo – Depois da regulamentação do mercado de planos de saúde no final da década de 1990, por meio da lei 9.656/98, o Governo Federal criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que fiscaliza a atuação das 1.570 operadoras de planos de saúde ativas no País e que atendem a cerca de 49 milhões de brasileiros.

Na cadeia produtiva do setor de saúde privada encontramos ferramentas para verificação e acreditação dos hospitais como, por exemplo, o de certificação de qualidade no atendimento promovido pela Organização Nacional de Acreditação (ONA) – que, em vários níveis de avaliação medem a eficiência no atendimento médico hospitalar. Além disso, a própria ANS lançará em 2013 um processo de certificação, por enquanto voluntária, para avaliar a qualidade do atendimento nos hospitais que atendem a usuários de planos de saúde. Isso demonstra a preocupação do Governo em fiscalizar e avaliar o mercado privado de saúde.

Yvonne – Você poderia falar sobre os recursos financeiros envolvidos tanto na saúde privada quanto na pública?

Marcelo – A ANS divulgou que em 2011 o custo assistencial, ou melhor, as despesas com atendimento aos 49 milhões de usuários de planos de saúde privados foi de R$ 67,9 bilhões, o que equivale a R$ 1.386 por pessoa. Esse valor carrega uma lucratividade da cadeia produtiva (profissionais, hospitais e serviços de diagnósticos). É quase o dobro do gasto da saúde pública por pessoa que é de R$ 733/ano. Se não houver uma gestão enxuta e eficiente, com esse valor é muito difícil proporcionar um atendimento de qualidade para a população não assistida pelos planos de saúde. Os profissionais não recebem remuneração adequada e os hospitais também não conseguem suprir a totalidade dos custos. É uma equação quase impossível de resolver, quase.

Yvonne – E quem fiscaliza a gestão da saúde pública? Quem avaliará o caso emblemático de falha no atendimento no Hospital Municipal Salgado Filho que recebeu baleada a menina Adrielly no dia de Natal e por falta de médico especialista de plantão sangrou por oito horas sem receber atendimento? Será apenas tratado como um caso de polícia ou haverá alguma agência externa para rever procedimentos e corrigir as falhas?

Marcelo – Infelizmente ninguém avaliará o caso com a finalidade de tentar resolver o problema da estrutura. A solução proposta pelas autoridades foi a de implantar um sistema de ponto eletrônico. Isso é atacar os sintomas e não as causas. Adrielly será apenas mais uma vítima do sistema de saúde pública que existe hoje.

O que vem à tona pela imprensa é apenas uma pequena parte da realidade da saúde pública no Brasil. Um exemplo muito polêmico, mas que deixa claro o que acontece: nosso ex-presidente Lula foi tratado de seu câncer na garganta num hospital privado. Se a saúde pública fosse de boa qualidade, ele poderia ter sido tratado na rede pública, não é mesmo?
Em minha jornada profissional aprendi que na Saúde não há apenas recursos financeiros escassos. Na verdade, há também um problema sério de gestão. Parte significativa dos recursos é desperdiçada na máquina administrativa que é cara e obsoleta. Nos quase vinte anos de atuação no mercado financeiro ligado ao setor de saúde, conheci mais de 800 hospitais por todo o Brasil e conheci algumas instituições – embora atendendo ao SUS – que conseguiram encontrar soluções e são muito bem geridas, com estrutura enxuta e eficiente, onde há respeito pela vida humana e alta qualidade no serviço prestado. São modelos que poderiam servir de exemplo para outras instituições, e não entendo por que não são replicados.

A administração do atendimento da saúde pública precisa ser analisada e fiscalizada, não com a criação de mais uma agência reguladora, que acabaria burocratizando e encarecendo ainda mais o processo, mas por algum órgão governamental independente – ou empresa especializada – não ligado ao Ministério da Saúde, que proponha metas e contribua para a melhoria contínua da qualidade. O dr. Adão Crespo não pode ser o único responsabilizado neste caso.

Por isso fica a pergunta, quem fiscaliza e avalia os serviços de saúde pública?

Yvonne Maggie

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